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Doutora, queria fazer umas análises de rotina!

Filipa Ribeiro
Opinião \ sexta-feira, março 15, 2024
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Aconselho a visitar o seu médico de família para avaliar o peso, o perímetro abdominal, tensão arterial, tabagismo, hábitos etílicos, hábitos alimentares e restante história pessoal e familiar.

As análises de rotina ou os “check ups” são um motivo frequente de consulta, sobretudo em adultos jovens. Existe uma crença que uma das formas de prevenção e deteção precoce de doenças deve ser feito através de análises de rotina com determinada periodicidade, geralmente um ano. Há quem recorra ao famoso provérbio português “Mais vale prevenir que remediar”.

Existe um fundo falso neste conceito e vou explicar-lhe o porquê.

Em primeiro, a melhor forma de prevenção é adotar estilos de vida saudáveis. Contudo, segundo um estudo feito numa amostra da população portuguesa os resultados mostram que é dada maior importância a análises de sangue e urina do que a prevenção do consumo de álcool e de tabaco. Em segundo, o pedido de análises de rotina em adultos assintomáticos pode dar a sensação de falsa segurança, uma vez que estes podem estar dentro dos limites da normalidade, embora a pessoa se mantenha em risco por outros fatores. Por outro lado, existem testes falsos positivos, isto é, testes que dão positivos e que obrigam a mais investigação, causando muitas vezes a ansiedade de um possível diagnóstico e até a realização de procedimentos mais invasivos, vindo a verificar-se depois ausência de doença. Por último, há casos com doença que têm uma evolução lenta e indolente e que nunca será causa de morbi mortalidade. Sendo assim podemos estar a submeter as pessoas a intervenções e sofrimento desnecessários. Entramos aqui no conceito de prevenção quaternária que segundo a WONCA, a organização mundial de médicos de família, é “a deteção de indivíduos em risco de tratamento excessivo para os proteger de novas intervenções médicas inapropriadas e sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis”.

Deste modo, são estabelecidos rastreios populacionais, com base na melhor evidência científica atual, como é o caso do rastreio do cancro do colorretal através da pesquisa de sangue oculto nas fezes dos 50-74 anos num intervalo de 2 em 2 anos. Noutros tipos de cancro pode haver benefício no rastreio oportunístico, isto é, a seleção de grupos de maior risco, tendo em conta a história familiar e exposição do indivíduo.

Para além disso, temos rastreios que devem ser efetuados tendo em conta fatores de risco pessoais, no entanto alguns podem ser modificáveis e a primeira abordagem deve sempre focar-se na mudança de estilos de vida e não no pedido de análises que apenas nos vão confirmar que algo está mal e que precisam ser adotados comportamentos melhores. Veja-se o caso do rastreio das dislipidemias, estudo do colesterol, sobretudo o LDL o chamado “colesterol mau”, que está indicado em adultos com obesidade (IMC acima de 30) nos quais a primeira medida mais eficaz passará pela correção deste fator de risco independentemente do resultado das análises. Existem, por outro lado, fatores de risco que devem motivar o pedido desta análise que não são modificáveis como a idade e a história familiar de doença cardiovascular prematura. Desta forma está indicado pedir um perfil lipídico a homens com mais de 40 anos, a mulheres com mais de 50 ou pós-menopausa, e a pessoas com historia familiar de doença cardiovascular prematura (AVC ou enfarte antes dos 55 anos nos homens e antes dos 65 anos nas mulheres), entre outros critérios estabelecidos em normas de orientação clinica. Também deve haver uma individualização destes cuidados, por isso é importante visitar o seu médico de família para avaliação deste risco de forma personalizada. Ainda assim, a maximização de medidas preventivas como alimentação saudável, exercício físico e evicção tabágica devem estar sempre em primeiro plano na prevenção, de forma a minimizar o nosso risco, quer antes, quer após um diagnóstico.

Aconselho, assim, a visitar o seu médico/enfermeiro de família de modo a serem avaliados o peso, o perímetro abdominal, tensão arterial, tabagismo, hábitos etílicos, hábitos alimentares e restante história pessoal e familiar.

Aconselho a fazê-lo, também, se tiver aparecimento de algum sintoma ou alguma mudança no seu corpo.

 

Bibliografia

1- www.mgfamiliar.net. (n.d.). MGF 2000, 84. Oportunidades preventivas nesta fase da vida. [online] Available at: https://www.mgfamiliar.net/MMGF/textos/27/84_texto.html [Accessed 8 Mar. 2024].

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3-  Sá, L., Ribeiro, O., Azevedo, L.F., Couto, L., Costa-Pereira, A., Hespanhol, A., Santos, P. and Martins, C. (2016). Patients’ estimations of the importance of preventive health services: a nationwide, population-based cross-sectional study in Portugal. BMJ Open, [online] 6(10), p.e011755. doi:https://doi.org/10.1136/bmjopen-2016-011755.

4 - normas.dgs.min-saude.pt. (n.d.). Abordagem Terapêutica das Dislipidemias no Adulto - Portal das Normas Clínicas. [online] Available at: https://normas.dgs.min-saude.pt/2011/09/28/abordagem-terapeutica-das-dislipidemias-no-adulto/.